sábado, 30 de novembro de 2013

Olhei para mim sem espelhos
e me vi inteira:
Estava cansada, e sem riso feliz.
Tinha sulcos neste rosto que me apresenta ao mundo.
E dores, e suspiros que diziam.
Me vi suspensa em meus próprios medos, nos desejos contidos
e nas decepções pelo que busquei e não consegui. 
Me senti só. Me custei a mim.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

"Toco a sua boca com um dedo, toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se, pela primeira vez, a sua boca entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que minha mão escolheu e desenha no seu rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade, eleita por mim para desenhá-la com minha mão em seu rosto, e que, por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que minha mão desenha em você. Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de ciclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõe-se, e os ciclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem, com um perfume antigo e um grande silêncio. Então as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se estivéssemos com a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água."


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Agora escrevo pássaros.
Não os vejo chegar, não escolho,
de repente estão aí,
um bando de palavras
a pousar
uma
por
uma
nos arames da página,
entre chilreios e bicadas,
chuva de asas,
e eu sem pão para dar,
tão somente deixo-os vir.
Talvez seja isto uma árvore,
ou quem sabe,
o amor.


Julio Cortázar

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Acordo na madrugada com o peito tão apertado como quando
fui dormir.
Lembro do sonho que me deixou assim.

E da realidade.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013


O azul me descortina para o dia.
Durmo na beira da cor.
Vejo um ovo de anu atrás do outono.
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(Eu tenho amanhecimentos precoces?)
...................................
Cresce destroço em minhas aparências.
Nesse destroço finco uma açucena.
(É um cágado que empurra estas distâncias?)
A chuva se engalana em arco-íris.
Não sei mais calcular a cor das horas.
As coisas me ampliaram para menos.
Manuel de Barros

domingo, 24 de novembro de 2013

pedaços de Sol
a chuva desce lavando
bromélias secas
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ao acordar
a cor da flor
dá o tom do dia

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árvore seca
cercada de flores
sempre viva


A. Ruiz

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Há um mês a eternidade.
Condensada em dias e paredes,
em olhos que se olharam.

E nada mais é irreal:
agora tudo é certeza.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Eu só quero ter você quando
não mais quiser ter...
Deste modo terei você e a mim. Só assim.

Do que adianta o eterno bater e o não abrir?
E pra que correr aqui e ali sem nunca se perder?

Então, eu só quero ter você quando
não mais quiser ter...
Que melhor motor pra se fazer pensar nas
incoerências da vida do que uma inusitada chuva matutina? 
Daquelas que acontecem em meio a uma ensolarada manhã e em segundos encharca seu pé, suas costas, a calçada, o cachorro, a paciência... E o curioso é que nem parece molhar, de tão mansinha que é.
E neste exato momento se confirma aquilo que já sabia:  Há algo errado e você tem que admitir. E é inevitável que depois disso comece a descida ou a subida - o sentido é o que menos importa: é um saco uma ou outra coisa mesmo. 
Quando a coisa está esquisita tudo faz pensar: a torrada mal feita em cima da mesa e os quilos a mais que ganhou, como um raio, nas últimas semanas. E agora essa chuva repentina que transforma um dia de sol num troço meio amorfo, abafado e que não é nem bonito nem feio.  Como minha vida agora, então.....

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Encontrando sons em mim
como quando alguém encontra som
em cordas novas
que vibram. Vibram
e é bonito o som. 
Procurando harmonia em mim
como quando se afina um instrumento 
e toca. Cada acorde tem seu som
e cada nota uma história numa pauta.

E a música que tocar 

é a mesma que irei dançar.
E a música que sair 
é a mesma que irei ouvir.

Procurando meu caminho

como quando alguém procura algo 
que o leve ou o traga de volta.
E também um silêncio novo ou
mesmo velho pra ouvir.
uma nota dissonante ou mesmo pura pra calar.
Eu em silêncio ou som estarei ali
entre mi e si e sol 
e lá.
E a vida quis de novo que fosse igual
mas diferente com você.
Que fosse longe mas que houvesse
o muito perto com você.
Que fosse claro mas que tivesse sempre
o dúbio com você.
Que fosse fogo mas que eu sentisse
o mais gelado com você.
Que fosse rápido mas aqui dentro
o infinito com você.
Que fosse tudo mas ainda um
enorme vácuo com você.
Que encontrasse mas que de novo aprendesse
 a ir perdendo com você.
Que fosse assim só um clarão
de um segundo com você.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013


Vou
    um pouco
            embora
                quando me calo.  

Quando

     deixo pra depois
                      as urgências            
                                      em mim.


    Há palavras não ditas que me sepultam algo. 
           
                Morro 
                        nas doces letras 
                                               que engoli.        
Linhas.
Vírgulas.
Pensamentos.

Corredeiras barulhentas de um rio.
Um caminho.
Pedrinhas brancas.
O vento.

Aquela frase dita.
Cheiro de sol.
O que sou.
Respostas prontas.
Memórias tidas.

Independentemente desfaço.
Espaço. 
Descrente.
Botões que se abrem.
Visões palpitando.
versando.

sábado, 9 de novembro de 2013

Se me aperta aqui dentro o que sinto,
vou lá fora e me perco:
Num aperto de uma forte mão no peito, esmagando o respiro,
no encontro do imenso abismo e do paraíso, adormeço.
E acordo no vácuo do mar sem porto.
E acordo no vácuo do porto sem mar. 
E acordo no porto do mar do vácuo.

Perdida lá fora de mim me volto pra dentro,

e dentro de mim me acho,
perdida de mim.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Mirando o mar de minha cabeça.
Ele me abre ao infinito.
Não sou nada!
Sou o que importa ser.
Sendo assim, sou.

Pedregulhos no caminho

e eu fitando o horizonte estarrecida
com as belezas.
Mas os pés em sangue.