sexta-feira, 28 de março de 2014


Num frio acordo
não mais haverá
acordes.

ou palavra.
ou poesia.

Uma eloquência muda 
e tudo de novo
ficará
como novo.

terça-feira, 25 de março de 2014

Dois Poemas de José Luís Peixoto



"devagar, o tempo transforma tudo em tempo. 
o ódio transforma-se em tempo, o amor 
transforma-se em tempo, a dor transforma-se 
em tempo. 

os assuntos que julgamos mais profundos, 
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis, 
transformam-se devagar em tempo. 

por si só, o tempo não é nada. 
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim."


Explicação da Eternidade, José Luís Peixoto



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Fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e 
vestido com roupa passada a ferro, rastos de chamas
dentro do corpo, gritos desesperados sob as conversas: 
fingir que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua 
onde os nossos olhares se encontram é noite: as 
pessoas não imaginam: são tão ridículas as pessoas, 
tão desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: 
nós olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a 
ferver sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades
de medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, 
Pergunto dentro de mim: será que vou morrer? Olhas-me e só tu
sabes:ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode 
dizer:amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: 
um oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga. 


(José Luis Peixoto)
Agora desejaria uma palavra,
um afago,
um abraço
amoroso
e de paz.

E sentir-me amada
por mim mesma,
sentir-me amando alguma coisa,
qualquer uma que fosse...
sentir-me viva.

O peso que carrego nos ombros,
na alma,
esse nada desejar, almejar,
esse nada de querer,
me mata de dentro pra fora

me tira o prazer de ser,
de estar, de viver,
de existir.

Estou moída em mim,
desintegrada,
desvinculada do que sou.
Pareço que sumi e continuo.

Reli minhas primeiras cartas
e percebi como
é estar feliz;
como fui feliz,
e leve, e doce e completamente
aberta ao amor.

Agora posso mensurar o peso
invisível que carrego.
E não posso querer me acostumar a algo assim.
A gente perde-se
parte-se 
viaja-se de si
cruza-se em limiares
deixa-se
derrama-se
apaga-se
desconhece-se

Guarda-se de se olhar
esquece-se de se ouvir
ouve-se por um canal
ensurdece-se
em silêncio sem palavra
sem entender-se
nada

A gente esquece-se
de como é
de como era
como seria
e interroga-se
a gente é gente?

E erra e era e é
e será
até ser-se
além
de ser.

domingo, 23 de março de 2014

Quando chega a hora
de ir embora
de vez, pra sempre,
a gente vê.

E o peito nem mais aperta e
o som que sai dele 
é meio surdo-mudo,
é meio sem som.

A gente nem sabe mais
o que sente,
talvez um vácuo,
ou um vento que
leva tudo,
talvez um eco de um silêncio,
um não-sentimento.

E nessa hora 
se entende que
mesmo o mais lindo
e forte e verdadeiro
acaba indo,

se perde nas sombras do
'que é certo' do 'que é justo'
do 'que é possível'.

E vira um nada, uma marca fria,
só uma ferida, uma cicatriz.

quinta-feira, 20 de março de 2014

"Todas as manhãs ela deixa os sonhos na cama
acorda e põe sua roupa de viver."
C. Lispector


quarta-feira, 19 de março de 2014

Essa dor que não dói, suga;
mais parece um vácuo de sensações.

Dentro do meu querer existe um pesar
uma raiva contida, um arrependimento.
Embora o amor ainda exista em mim, já
não brilha em alegria; é um nó apertado
ligando a dor e a desilusão. 

O amor que está em mim parece
que morreu e continuou de pé 
assombrando meu castelo, arrastando 
correntes e sussurrando.
O amor que tenho nem crê mais
no amor; ele é tão improvável.


Porque tudo e todos acabam indo um dia...
Um adeus ao guerreirinho, Pingo.

terça-feira, 18 de março de 2014

um




                                                                                                                                                     dia
                 
verei                                          


                                                                                que                                                          



                                                               chegou
                                                                                                             minha vez                        

 e                                                                                               irei.

                                                                                                                                                                                                           

segunda-feira, 17 de março de 2014

"De que serve a bondade 
Quando os bondosos são logo abatidos, ou são abatidos 
Aqueles para quem foram bondosos? 

De que serve a liberdade 
Quando os livres têm que viver entre os não-livres? 

De que serve a razão
Quando só a sem-razão arranja a comida de que cada um precisa?

Em vez de serdes só bondosos, esforçai-vos
Por criar uma situação que torne possível a bondade, e melhor;
A faça supérflua!

Em vez de serdes só livres, esforçai-vos
Por criar uma situação que a todos liberte
E também o amor da liberdade
Faça supérfluo!

Em vez de serdes só razoáveis, esforçai-vos
Por criar uma situação que faça da sem-razão dos indivíduos
Um mau negócio!"

De que Serve a Bondade - Bertolt Brecht

"O meu coração não quer dinheiro, quer poesia!"



domingo, 16 de março de 2014

Haverá o tempo do descansar?
O tempo do nada desejar e ser feliz?

Aquele em tudo faz sentido
ainda que nada importe?

Mesmo que seja o momento da nutrição sem gostos,
da dança sem música,
da claridade sem luz?

O dia do sentir-se confortável
e aconchegada em si mesma?

Haverá?


Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta.
Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.

Preparei minha máquina de novo.

Tinha um no beiral do sobrado.
Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakoviski -- seu criador.
Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Nenhum outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.

(Manoel de Barros)

sábado, 15 de março de 2014

O tempo é circular, ele se curva sobre si mesmo: o universo alimenta-se de suas próprias dejeções. Todo efeito é causa de uma causa, toda causa é efeito de um efeito. Último efeito, causa da primeira causa. 

Nietzsche
"Se não fossem as minhas malas
cheias de memórias ou aquela história que
faz mais de um ano, 
se não fossem os danos
não seria eu"

C. Falcão

sexta-feira, 14 de março de 2014


É hora de partir de uma história
quando a parte de você que
ainda se enxerga,
percebe que existe outra parte

que pouco vê e reluta em ficar.
E esta tornou-se
insana e patética
ao ponto de não perceber-se

irrelevante.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Olhando-me por dentro vejo uma grande mão de ferro me envolvendo o peito.
Às vezes, com violência, ela se fecha e aperta-me:
Nada mais me resta senão a dor.
Outras vezes, sem apertar,
mas por estar ali como um escudo,
sufoca-me.
Priva-me do prazer, do gosto, do cheiro da vida.
Priva-me de mim mesma.

Como livrar-me dela?
Ou dessa sensação de nada que dela vem e me acompanha?
Como livrar-me desse eu que não sou,
mas que grita em mim?
Como livrar-me de mim e ser quem sou?



quarta-feira, 12 de março de 2014

Gestar-se.
Tecer em si mesma um novo ser
que se forma muito além 
do corpo que pulsa
e de seus apelos.

Gerar-se
na própria carne,
em meio às dores.
Querer nascer de novo.
Querer ser.

Crescer enquanto a vida se faz,
fora e dentro.
Chorar as podas que cortam a carne,
o corpo, a vida, o sentimento.
Chorar as podas que revelam
outras flores.

Fazer-se infinitamente
em nascimentos, mortes
chegadas, risos,
partidas.

sábado, 8 de março de 2014

Concreta vida
                   vida minha
                                 vida hoje
           vida bela
                        vida cheia
                                       de adendos
                                                             de pedaços
                              de completos
               que acontecem
                                         quando abro o coração
                                e o pensamento.


         Vida composta
                                 de supostas entrelinhas
de (meias)verdades e mentiras
                                                   e poemas e dilemas
de perguntas que respondo
                                              quando fecho minha fala
quando deixo minha cara
                                           mais fiel ao que acredito
quando paro
                 quando escuto
                                   quando abro o coração
                                                               o pensamento.


Vida que começa 
                          quando acordo
                                           do meu sono
                                                          que sem sonhos
me ensina que o viver
                           é pé na estrada
                                            é partida é chegada 
                                                                   sem delongas
mão na massa
               é cortante mas possível
                                    se em verdade
                                                    me encaro e
                                                      quando abro o coração
                                                 e o pensamento.

Se me vejo além de mim
abro os braços à novidade,
Sou além do turbilhão.
Sou feliz.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Tentando encontrar
o que cantar
o que soar
como um brinde
ao encontro.

Buscando a nota 
pra dar ao canto
o encanto do
ritmo
do ponto perfeito.

E a vida 
no assovio do vento
na onda do mar
canta
de tempos em tempos.

Sem se fiar
na nota exata
canta
sem temer o desafino
canta.

Com melodia de notas
pulsantes - puras e
dissonantes
no ciclo do tempo
canta. 

E cria a viva partitura -
A existência.

Descobrir-se
aquém 
além 
do que 
queria 

uma trave 
uma poça
uma trava 
uma pena

Uma porção de cena
uma questão de tema
uma avaliação

E se de novo volta
requer revisão
norte
explicação (?)



(autoavaliação)


terça-feira, 4 de março de 2014

Dentro de mim há um
buraco do tamanho 
do que sou.
Do tamanho do que 
me preenche
Do tamanho do que
me falta.

Às vezes choro e ele
cheio de lágrimas parece que 
vai me afogar.
Outras vezes fico tão leve e aérea
que posso andar por
aí como que 
flutuasse.

Há dias que somos um.
Me entrelaço com o vazio
e o cheio que brotam dele.
Fico confusa, perdida...
Sumiria em mim/nele
se pudesse.


( percepção)

segunda-feira, 3 de março de 2014

Deparar-se com a própria escuridão 
não é nada fácil. Você finalmente se enxerga
por aquele doloroso ângulo de imperfeição
e desequilíbrio. Se despe diante de si mesma
e se vê pequena, falível, insana, doente...

Começa, então, a procura por outras roupas.
Dói (e mesmo envergonha) ser assim e 
não é fácil se vestir diferente.

domingo, 2 de março de 2014

Não sei fazer muito silêncio interior
mesmo que não profira uma única
palavra.
Aqui dentro continuo lhe dizendo
as coisas que nascem de mim
e ainda não entendo o porquê
de lhe dizer.
Falo sozinha duplamente -
comigo e com você.