terça-feira, 25 de março de 2014

Dois Poemas de José Luís Peixoto



"devagar, o tempo transforma tudo em tempo. 
o ódio transforma-se em tempo, o amor 
transforma-se em tempo, a dor transforma-se 
em tempo. 

os assuntos que julgamos mais profundos, 
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis, 
transformam-se devagar em tempo. 

por si só, o tempo não é nada. 
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim."


Explicação da Eternidade, José Luís Peixoto



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Fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e 
vestido com roupa passada a ferro, rastos de chamas
dentro do corpo, gritos desesperados sob as conversas: 
fingir que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua 
onde os nossos olhares se encontram é noite: as 
pessoas não imaginam: são tão ridículas as pessoas, 
tão desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: 
nós olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a 
ferver sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades
de medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, 
Pergunto dentro de mim: será que vou morrer? Olhas-me e só tu
sabes:ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode 
dizer:amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: 
um oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga. 


(José Luis Peixoto)

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